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domingo, 3 de março de 2013

Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio e a "felicidade desesperada" de André Comte-Sponville

As ideias apresentadas pelo filósofo André Comte-Sponville no livro "A Felicidade, desesperadamente" dialogam não apenas com a filosofia antiga de Epicuro, Platão e Aristóteles, mas também com autores modernos como Schopenhauer e Sartre – os quais transmitem uma visão mais pessimista da realidade humana – além de Spinoza, na tradição do qual o autor se situa. 

A partir das considerações expostas por Comte-Sponville pode-se observar que as concepções de Platão, Schopenhauer e Sartre com relação ao desejo e à felicidade, a saber: “desejo é falta” e “ser feliz é ter o que se deseja”, colocam esses filósofos em uma mesma linha de pensamento que, levada às últimas consequências, conduz à trágica conclusão da impossibilidade da felicidade. Diante dessa triste realidade, Comte-Sponville percebeu que para ser feliz é preciso abandonar a esperança enquanto desejo de algo que falta, isto é, é necessário deixar de esperar por algo que não conhece, não pode ou não goza. Ao desejar somente aquilo que conhece, pode e goza, a pessoa deseja o que é real e que, portanto, nunca falta. E ao desejar o que não falta (porque já o tem) é capaz de regozijar-se com o que tem, pode e goza. Essa experiência de “gozar o gozo” (alegrar-se com que alegra) é a própria felicidade que acontece, em ato, e desesperada. Em outras palavras é o próprio amor que, por ser amor, é gratuito.

É interessante como, apesar de ateu, o pensamento do autor se alinha, em muitos pontos, com as diversas correntes espirituais, em especial, com as espiritualidades cristãs. Quando, ao citar Sêneca, ele afirma: “quando você desaprender a esperar, eu o ensinarei a querer” e conclui dizendo que querer é o mesmo que agir, faz eco ao pensamento de Santo Inácio de Loyola (que também teve influências da filosofia antiga) que dá importância ao desejo como aquilo que provoca em nós um movimento, uma ação e que, por isso, não devemos “desejar e escolher” qualquer coisa, mas “apenas aquilo que mais nos conduz ao fim para o qual somos criados” (EE23). Por sua vez, essa máxima inaciana remete àquilo que, segundo o autor, o sábio deseja, isto é, aquilo que pode, conhece e goza e que, para Inácio, traduz-se em “louvar, reverenciar e servir a Deus e assim salvar-se”. Vale ressaltar que, o caminho espiritual inaciano leva a pessoa não apenas a identificar-se como objeto de um amor gratuito que é proveniente de Deus, mas também, e principalmente, a conhecer melhor o objeto do próprio amor (que é Deus presente no mundo, nas coisas). 

Esse último ponto remete a outra semelhança entre o pensamento do autor e o inaciano que é o “regozijar-se com”, pois, sendo o amor desejo e o desejo uma “potência de gozar o gozo em potencial”, o amor é então gratuito, isto é, não pede, nem espera nada em troca, apenas goza o que tem, conhece e pode. Na espiritualidade inaciana, é possível identificar e situar esse “regozijar-se” no princípio do livros dos Exercícios Espirituais quando Inácio afirma que “não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear as coisas internamente” (EE2), ou ainda no fim da experiência dos Exercícios, no que ele chama de “Contemplatio ad Amorem” (EE 230), onde o exercitante é convidado a tomar consciência da ação de Deus no mundo e alegrar-se profundamente com ela, saboreando essa mesma presença e o gozo que dela emana.

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