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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sobre o filme "Chocolate" com Johnny Depp

O filme “Chocolate” apresenta duas realidades distintas. De um lado, apresenta uma sociedade rígida, fechada em si mesma, pessoas sem vida (sem cor), escravizadas pela norma, com anseios e desejos, mas não sem possibilidade de expressá-los e, por isso, essas pessoas começam a "morrer". Por outro lado, a estrangeira que chega contradiz todos os “valores” estabelecidos na cidade. É mulher, mãe solteira, usa roupas mais alegres e despojadas, enfrenta a opressão moral do Conde e abre uma chocolateria em plena Quaresma.

Cada personagem (habitante) da cidade padece de uma espécie de atrofiamento afetivo-sexual: O conde que era muito rígido, moralista e controlador foi abandonado pela esposa, se recusa a aceitar esse fato por ser vergonhoso para si e usa de seu poder e influência para oprimir o povo através da moral religiosa (ele também carrega o peso da tradição da família que zelava pelos “bons costumes” da pequena cidade); uma senhora, viúva desde a Primeira Guerra Mundial, que não se permitia outro relacionamento; o padre novo que era inseguro e, por isso, deixava-se levar pelo conde em relação ao que deveria ser dito (e como o deveria ser) nos sermões; a secretária do conde que proibia o filho de brincar com os outros garotos e de encontrar a avó e, por isso, o menino vivia infeliz e somatizava essa infelicidade; a cleptomaníaca infeliz no casamento e que apanhava do marido bêbado.

É interessante notar que, ao longo da trama, cada personagem demonstra trazer dentro de si a vontade de ser diferente, de ser livre. E que existe, de um certo modo, uma associação cristológica em relação à vendedora de chocolates, pois ela encarna os desejos mais internos de liberdade do povo e, ao mesmo tempo, é modelo e escândalo em seus gestos, atitudes, palavras e relações.

Outro ponto interessante é que com a chegada dos ciganos (que aparentemente são mais livres, mais frágeis e mais interessantes) as tensões existentes entre a vendedora de chocolates e o conde não só ganham maior profundidade como começam a demonstrar suas consequências. A influência da moral normativa quando radicalizada parece ser apresentada como maléfica e inconsequente, na cena em que o marido bêbado interpretando as palavras do conde (“é preciso agir”) queima os barcos dos ciganos após a festa de aniversário da mãe da secretária do conde, gerando dor e risco de morte. Enquanto a influência da vendedora de chocolates gera alegria, paz, reconciliação, ato de amor e independência positiva nas cenas da festa de aniversário, da mãe repressiva (secretária do conde) que conserta a bicicleta para o filho brincar e da esposa do bêbado que toma iniciativa de não fechar a chocolateria junto com os outros que foram libertados pela vendedora.

No fim do filme somos testemunhas de que mesmo a vendedora que ajudou tantas pessoas a se libertarem da opressão moral tinha os seus grilhões. Estes eram simbolizados pelas cinzas da mãe que a faziam sentir-se condenada a uma vida nômade mesmo sentindo intenso desejo e necessidade (principalmente sua filha) de fixar residência e levar uma vida mais tranquila e confortável. Depois, aprendemos através do conde que, às vezes, para a libertação acontecer é necessário chegar ao fundo do poço e lá fazer a “experiência do chocolate”. E perceber que as normas são boas e necessárias, contanto que não aprisionem ou atrofiem a vida, que é muito mais do que ditar e seguir essas normas.

Em oposição ao seu início, o filme encerra mostrando a mesma cidade, mas profundamente modificada. Antes era um lugar cinza, deserto e triste. Este lugar cedeu espaço a outro com mais colorido, música, pessoas, livres e felizes.

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Artigo escrito em Novembro/2010 por ocasião do Curso de Teologia Pastoral “Moral da Pessoa – Afetividade e Sexualidade à luz da Fé cristã” na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Mondubim/Fortaleza-CE) e publicado originalmente em Fides et Ratio.

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